Ao ter conhecimento, no mês de fevereiro passado [ano 2022], do falecimento do grande colecionador José Manuel Pereira, de Lisboa, senti necessidade de prestar uma pequena homenagem a alguém que dedicou, de forma contínua e extrema, os últimos cerca de 40 anos da sua vida ao colecionismo de pacotes de açúcar.
No entanto, a sua paixão pelo colecionismo vem desde muito jovem, nomeadamente através de coleções de selos, moedas, caixas de fósforos e chávenas de café. Mais tarde iniciou-se na coleção de açucareiros metálicos, pins e porta-chaves de café, cromos de pastilhas elásticas… Foi, contudo, no Filumenismo (colecionismo de caixas e carteiras de fósforos), coleção iniciada em 1942, que desenvolveu as suas capacidades de dedicado colecionista, tendo inclusive colaborado, durante a década de 1960, com diversas fábricas de fósforos existentes em Portugal, e participado, como júri, em diferentes exposições de competição durante o período áureo deste colecionismo. Na década de 1970 publicou um extenso álbum para catalogar e expor as etiquetas das caixas de fósforos, denominado “Philalbum”, que teve grande procura internacional. Editou depois a primeira obra portuguesa de etiquetas de caixas de fósforos, denominado “Guia do Filumenista”, em formato de livro de algibeira.
Passada a época áurea do Filumenismo, e após a venda fugaz e caricata do seu espólio, inicia a coleção de chávenas de marcas de café, tema em que também editou obra, com edições esgotadas e ainda hoje procuradas.
Terá sido no seguimento deste seu interesse pelas chávenas de marcas de café que, já em meados da década de 1980, inicia a sua coleção de pacotes de açúcar, focando-se inicialmente na temática das marcas de café. Após cerca de dez anos de exaustivo e rigoroso estudo e pesquisa, publica então, em 1994, o resultado do seu trabalho num Álbum / Catálogo de pacotes de açúcar de Marcas de Café Portuguesas em folhas impressas a preto e branco. Com a ajuda de outros colecionadores que lhe forneciam imagens de pacotes de açúcar ainda não catalogados, foi produzindo adendas semestrais ou anuais, resultando numa obra imensa com cerca de 3000 páginas.
Em 2004 produz “somente para principiantes” o “Manual do Coleccionador” do tema Cafés na vertente de pacotes de açúcar, onde incluía um “Estatuto da Catalogação”. Depois, entre 2005 e 2006, com a massificação do digital e a preciosa ajuda de alguns amigos, publica, já em formato CD e com imagens a cores, diversos álbuns de pacotes de açúcar e adoçantes:
- Adendas de Marcas de Café Portuguesas de pacotes de açúcar.
- Embaladora SORES de pacotes de açúcar.
- Marcas de Café Portuguesas de adoçantes
- Embaladora Empacotal de pacotes de açúcar.
- Marca de Café DELTA de pacotes de açúcar.
Posteriormente, em 2007, lança, agora em formato de livro, o Catálogo de pacotes de açúcar da marca de cafés DELTA com toda a produção até esse ano.
Nas imagens 2 a 6 mostro as capas de alguns dos Álbuns / Catálogos que produziu.
Estes álbuns, para além das suas folhas impressas permitirem acomodar, nos respetivos espaços, os pacotes de açúcar, constituem uma verdadeira fonte de informação sobre o que foi produzido, o que se tem e o que ainda falta na coleção de qualquer colecionador. José Manuel Pereira defendia que uma verdadeira coleção deveria ser constituída por pacotes de açúcar com a informação anexa essencial sobre os mesmos e guardada em pagelas semelhantes à que produzia, ao invés de pacotes amontoados em micas plásticas sem qualquer tipo de conteúdo informativo. Por outro lado, com a produção dos seus catálogos, debatia-se para que a cada pacote de açúcar fosse atribuído um número ou código, e nunca por descrições confusas que em nada facilitam a sua procura, nas trocas com outros colecionadores.
Com esta vasta produção de álbuns, catálogos e livros de sua autoria, José Manuel Pereira, colocou à disposição dos colecionadores interessados, o resultado do seu empenho e dedicação na pesquisa, identificação e sistematização do maior número de pacotes de açúcar e adoçantes produzidos, até então, em Portugal.
Embora nunca tenha deixado de atualizar os seus álbuns, sempre que conseguia obter um exemplar que não estava ainda catalogado, não mais voltou a realizar qualquer edição, fruto de algum desânimo com a falta de apoio e reconhecimento por parte de alguns dos seus pares. No entanto, durante largos anos, através da sua chancela “Oficina j.m.pereira”, foi disponibilizando, em fóruns restritos de colecionadores de pacotes de açúcar, algumas das folhas de marcas de café que ia produzindo.
Estudioso e meticuloso, procurou ainda batizar o colecionismo de pacotes de açúcar. Num artigo publicado no nº 1 de “O Pacotim” de 2003, boletim produzido pelo CLUPAC – Clube Português de Colecionadores de Pacotes de Açúcar, apresentou como propostas fundamentadas as designações “Glicopacofilia”, “Pacoglicofilia” ou, simplesmente, “Glicofilia” (imagem 7). Nalgumas edições digitais dos seus álbuns / catálogos chegou mesmo a usar outra denominação “Filglicopacolia”. Foi, contudo, a designação “Periglicofilia” (o prefixo “peri” exprime a ideia de “à volta de”, “o que envolve”) que mais se enraizou entre a nossa comunidade, recebendo já honras de figurar na Wikipédia e nos dicionários online Priberam e Infopédia.
Totalmente contrário aos pacotes ditos “privados”, produzidos por colecionadores ou com o intuito comercial, permitiu-se, no entanto, participar numa série privada (SP.2005.02 – Cartões de Visita I da Sugapack) com mais outros quatro colecionadores, numa altura em que este tipo de pacotes de açúcar não estava tão massificado como hoje em dia. Contudo, utilizava o pacote de açúcar dessa série com a sua fotografia e morada como cartão de visita, seguindo como oferta nas suas cartas de troca. Provavelmente terá sido num período em que não trocámos cartas pois, lamentavelmente, não tive a sorte de o receber (imagem 1).
Mas, felizmente, tive o privilégio de “beber” da sua vasta experiência e conhecimento do mundo do colecionismo por ocasião dos convívios ao domingo no Mercado das Colecções (Mercado da Ribeira), em Lisboa, durante a primeira década dos anos 2000. Foi aí que fui tomando conhecimento dos seus álbuns para os quais também terei contribuído com algumas imagens. As trocas de pacotes de açúcar também estavam presentes nessas tertúlias domingueiras mas o que eu mais ansiava eram os ensinamentos da sua vasta cultura colecionista. Mesmo à distância, depois do meu regresso a Coimbra em 2016, as nossas trocas foram-se sucedendo e até intensificando nos anos mais recentes. A última troca que realizamos tem pouco mais de 9 meses, através da qual lhe cedi um pacote da minha coleção que lhe faltava, após me ter enviado as diversas pagelas que estava a construir com os pacotes de açúcar das variantes da série “Condutores Elétricos F. Cunha Barros” da embaladora SEMPA – Sociedade de Empacotamento Automático, S.A..
Os seus interesses há muito que os conhecia, bem como quem privava de perto com ele. Marcas de Café à cabeça, seguido das empresas Embaladoras Sores e Empacotal, temas dos quais editou álbuns, almejando por isso completar aí algumas das suas faltas. No entanto, o seu interesse não se ficava por aqui, como refere pelas suas próprias palavras, tinha “a esperança de ainda ter tempo de deixar obra feita“ no domínio de embaladoras há muito extintas, como Refinaria do Intendente, Refinaria do Ultramar, Lusiteca, Fábrica Águia, Lusitana, Solnave, Sempa, Santa Clara, Confeitaria Central, Rodrigues (Irmão), Heitor Pais, Companhia Colonial, Torrefação Mondego, Heitor da Costa, etc. Por último, também se dedicava ao vasto tema das Companhias de Aviação.
Sabia, no entanto, que já não teria grande tempo para continuar a “deixar obra feita”, dada a sua longa idade, agravada por alguns problemas de saúde que o deixaram incapacitado de andar há cerca de 2 anos. Vivia, contudo, “de esperança, com o desejo de que nada se perdesse de informação para os prováveis vindouros”. Estes “prováveis vindouros” seriamos nós, colecionadores de pacotes de açúcar interessados em continuar o estudo e o registo perpétuo destes objetos que tanto amamos e valorizamos.
Ainda sobre o valor de cada pacote de açúcar, José Manuel Pereira referia, nas suas próprias e sábias palavras, que “não valem nada. São meros bocadinhos de papel. Cada um lhes atribuirá um valor, conforme interesse que tem em os ter na coleção.” Não sabemos o valor que lhes atribuiria, mas, confessou-me, em determinada altura, que os pacotes de açúcar que mais procurava e que não havia meio de lhe aparecerem pela frente, eram os das Feiras do Ribatejo embalados pela SEMPA. Penso que se referiria aos pacotes de açúcar que anunciavam a Feira Nacional de Agricultura de Santarém que, a partir de 1964, se realizaria em simultâneo com a Feira do Ribatejo. Na imagem 8 apresento aqueles pacotes de açúcar que conheço desta feira (haverá outros?).
Termino com a menção a outro seu artigo publicado no nº1 de “O Pacotim” (imagem 9), no qual José Manuel Pereira aborda, de forma pedagógica, os principais aspetos que deverão nortear um colecionador de pacotes de açúcar e a sua coleção, vaticinando ainda o desejo da realização de grandes exposições, pois só assim o nosso colecionismo conseguirá evoluir.
Deixo o repto para que a entidade máxima em Portugal no colecionismo de pacotes de açúcar – o CLUPAC – possa realizar uma verdadeira homenagem a José Manuel Pereira, concretizando um dos seus desejos, através da organização de uma exposição alargada com a mostra de pagelas elaboradas por diversos colecionadores que já as produzem (e há muitos) bem como uma exposição de alguma da sua vasta obra já aqui mencionada. Seria, sem qualquer dúvida, uma forma de divulgar, de uma maneira mais abrangente, e de enaltecer todo o trabalho meritório de José Manuel Pereira que, aos 95 anos de idade, nos deixou a todos o seu legado.
Nota: Post publicado inicialmente a 4 março 2022 em <https://www.facebook.com/pacoteca.acucar>
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