Na segunda metade do século XIX o arquipélago dos Açores deparou-se com um forte revés na cultura da laranja, cujo começo remonta aos finais do século XVI. As razões para o declínio desta cultura, conhecida como a “crise da laranja”, tiveram origem em doenças e infestações que assolaram os vários laranjais espalhados um pouco por todas as ilhas, com predominância em São Miguel, sem descurar os problemas no seu transporte por terra e mar até aos mercados europeus para onde era então exportada. Aliado a isto foi a crise económica da grande depressão económica mundial que ocorreu entre 1873 e 1896 e que se fez sentir na economia com a diminuição da importação de laranja a partir do estrangeiro.
Surge então em São Miguel, por volta de 1880, como economia alternativa, a cultura da batata doce muito orientada pelo mercado do continente, ávido de álcool industrial para o fabrico do vinho. O florescimento deste mercado levou à construção de várias fábricas de álcool, sendo a primeira a surgir a Fábrica da Lagoa, em 1882, e depois a Fábrica de Santa Clara, em 1884, ambas na ilha de São Miguel.
Mais tarde, como resposta às políticas restritivas do governo de Lisboa que culminaram com a publicação de um Decreto de 1901, visando defender os interesses da indústria continental ao limitar a produção de álcool nos Açores, foi introduzida a cultura da beterraba. Na verdade, as primeiras experiências com a cultura da beterraba já haviam sido feitas no último decénio do século XIX, pelas mãos de Henrique Bensaúde, pelo Eng. José Cordeiro e pela antiga Estação Agrária.
Em 1902 forma-se então a União das Fábricas Açorianas do Álcool (UFAA) com vista à instalação de uma fábrica de laboração de beterraba açucareira em São Miguel, para a produção de açúcar. Foi assim construída, em 1906, tendo por base um projeto alemão e seu diretor o Eng. Pax, a Fábrica de Açúcar de Santa Clara, exatamente no mesmo espaço que era ocupado pela Fábrica de Destilação de Álcool.
O álcool passaria então a ser extraído, também, de melaço, um derivado da beterraba sacarina, ultrapassando-se, desta forma, a crise do álcool da batata doce que, mesmo assim, continuou a ser produzido na Fábrica da Lagoa, até 1969.
Constituída em 28 de abril de 1968, enquanto sociedade anónima de responsabilidade limitada, a SINAGA – Sociedade de Indústrias Agrícolas Açorianas, S.A.R.L. tinha por objeto a “exploração das indústrias agrícolas, bem como as indústrias subsidiárias daquelas e ainda a exploração de quaisquer outras atividades comerciais ou industriais não proibidas por lei”.
É assim que, em 1969, a SINAGA adquire à UFAA as duas unidades industriais de que aquela empresa era proprietária – a de Santa Clara (produção de açúcar) e a da Lagoa (produção de álcool).
Entretanto, na década de 70, a SINAGA iniciou uma profunda remodelação no processo produtivo da Fábrica de Santa Clara, processo esse que foi acompanhado, na íntegra, pela British Sugar Corporation (ao tempo, a maior produtora de açúcar de beterraba do mundo).
Ciente do património industrial secular da empresa e do seu contributo para a história económica e social da produção de açúcar nos Açores, tendo em vista a criação de um museu por ocasião das comemorações dos cem anos da fábrica do açúcar, a Administração da Sinaga deu início à seleção e catalogação de peças e documentos mais emblemáticos da história da unidade fabril. O Museu da Sinaga seria inaugurado ao público no dia 6 de novembro de 2006 na antiga sala de ensacamento da unidade fabril.
Única no país até julho de 1997, altura em que começou a laborar a fábrica da DAI – Sociedade de Desenvolvimento Agro-Industrial, S.A., em Coruche (parou, no entanto, de produzir em abril de 2015), a Fábrica de Açúcar da Sinaga não conseguiu, contudo, adaptar-se às crescentes exigências do mercado e necessária modernização do seu equipamento. Como resultado do período de crise económica pós 2008, a Região Autónoma dos Açores, por forma a assegurar a atividade de uma indústria considerada estratégica para o arquipélago, procede, em 2010, à aquisição da maioria do capital da açucareira Sinaga, passando a deter 100% do seu capital a partir de 2017.
Na vertente industrial, as principais atividades da empresa consistiam na produção de açúcar branco obtido através da transformação de beterraba sacarina, bem como da refinação de açúcar bruto (rama de beterraba sacarina) para posterior embalagem e comercialização.
Face à instabilidade provocada pelo fim das quotas de produção, que originou uma descida acentuada dos preços do setor do açúcar, e a falta de dimensão que a cultura da beterraba sacarina tinha, nesta altura, no tecido agrícola de São Miguel, a vertente industrial da Sinaga assumiu uma expressão meramente residual, acabando por ser suspensa a sua laboração em finais de 2017.
A empresa passa então a cingir-se, essencialmente, à comercialização de açúcar branco importado, embalado nas suas instalações, única atividade que nesta altura foi considerada rentável. Aliás os investimentos realizados entre 2010 e 2016 incidiram, sobretudo, nos equipamentos destinados à embalagem de saquetas de açúcar. Neste segmento, a pequena dimensão da empresa, foi considerada um fator positivo, possibilitando operar com clientes regionais de menor dimensão. É nesta altura que se regista um aumento das vendas nas saquetas de açúcar, com grande relevância, para o açúcar com canela, produto único no mercado nacional lançado em 2016.
Os últimos anos, porém, têm revelado dificuldades de adaptação e reconversão daquele setor, igualmente afetado por uma série de fatores económicos externos e internos, determinando que, à data de 31 de dezembro de 2019, se encontrasse com perda de metade do capital social, fundamentando a sua dissolução nos termos legais. É assim que, no passado dia 19 de outubro de 2021, é determinada por Decreto Lei a extinção da Sinaga, devendo a sua formalização ser efetivada até ao final do corrente ano.
Entretanto, por forma a preservar muito do seu vasto espólio, centenas de objetos, desde máquinas de produção a balanças, a fotografias, passando por pacotes e sacos para açúcar ou bombas a vapor de alimentação de água, foram já acolhidos no Museu Carlos Machado, em Ponta Delgada. Seguir-se-á a sua valorização, através do seu estudo por especialistas, com vista à preservação da memória histórica desta unidade fabril da ex-açucareira Sinaga.
Notícia da RTP Açores sobre a transferência do acervo da Sinaga: <https://www.facebook.com/rtpacores/videos/455272895854897>
Em jeito de “despedida”, deixo aqui imagens de alguns dos pacotes de açúcar mais antigos que conheço, embalados pela Fábrica de Santa Clara / Sinaga, também eles fazendo parte da longa história desta açucareira que agora finda.
Partilho as pagelas em formato pdf, que poderão descarregar aqui: pagela 1, pagela 2, pagela 3, pagela 4, pagela 5, pagela 6.