Hoje lanço luz sobre mais uma imagem inserida num pacote de açúcar que, durante largos anos, me intrigou, não só sobre o significado da mensagem inscrita na frente da embalagem, mas também da imagem representada no seu verso.
Refiro-me ao pacote de açúcar da
imagem acima que era fornecido, por volta dos anos 1980, a bordo dos aviões da
nossa companhia de bandeira. Na frente da embalagem o mote “a Arte e o Saber
Viajar” sobreposto a um mosaico de quadrados em fundo branco. Por baixo o
logótipo “TAP AIR Portugal” em vigor entre os anos de 1979 e 2005. O verso é
composto pela imagem de uma nau quinhentista, navegando num mar revolto, no que
parecia ser parte de um mosaico de azulejos em tons azul. Por baixo a menção bilingue
ao conteúdo da embalagem “Açúcar / Sugar” e a empresa embaladora “José
Henriques & Cª Lda” de Ermesinde, da qual não tenho nenhuma outra
informação para além do NIF 500574910 e da data da sua constituição, o ano de
1976. No pacote de açúcar que mostro está ainda inscrito a empresa impressora
do material (papel) da embalagem, CELOPAF, que será seguramente abordada num outro
artigo específico. Para além deste pacote de açúcar existem pelo menos mais
quatro variantes de embalador, impressor e grafismo.
Concentremos agora a nossa atenção
nas mensagens reveladas pelo pacote de açúcar. A frase “a Arte e o Saber Viajar”,
conjugado com o mosaico azulejar da nau quinhentista, poderá remeter-nos para
uma associação entre a arte primorosa do pintor que elabora uma pintura tão
realista em azulejo, fazendo-nos parecer viajar por esses mares adentro ou, até,
uma alusão à semelhança entre a arte e o saber viajar que a companhia aérea proporciona
aos seus passageiros com a arte e o engenho dos primeiros audazes navegadores
que desbravaram esses mares, viajando até paragens distantes. Serão duas
leituras possíveis, mas outras haverá, seguramente. No entanto a minha
curiosidade queria ir mais longe, perdurando no meu pensamento, ao longo destes
anos, algumas perguntas: “Onde se poderia encontrar o painel de azulejos com aquela
nau? O que mais estaria representado no restante painel? Quem seria o seu
autor?”.
Pois, só muito recentemente, a
minha curiosidade foi satisfeita ao ter voltado a pôr os olhos neste pacote de
açúcar e iniciado buscas por informações na internet. Facilmente identifiquei outras
imagens de um painel de azulejos, mais amplo, onde surgia a “nossa” nau
quinhentista, navegando de conserva junto de outra embarcação, por forma a poderem
prestar mútuo socorro em caso de perigo, como era habitual naquela época dos
Descobrimentos (figura seguinte).
No entanto, ainda não tinha
resposta às minhas outras perguntas e as minhas contínuas buscas por mais
informação, revelaram-se infrutíferas.
Foi finalmente através de um contacto
estabelecido com o Museu Nacional do Azulejo, em Lisboa, que me chegou a
informação: o painel em questão pertencia a um vasto conjunto aplicado no
Chafariz Velho de Paço de Arcos.
Este chafariz localiza-se junto
ao passeio da Avenida Marginal, virado para o mar, a seguir à Curva dos
Pinheiros, entre Paço de Arcos e Oeiras. A tendência, para quem passa na
Marginal, é olhar para o Tejo que segue, serenamente, para o mar. Razão
bastante para que aquele lugar nunca me tenha despertado a atenção suficiente
para uma visita, nas inúmeras vezes que por lá passei. Parar perto também não é
fácil pois tem de se andar a pé desde o Palácio dos Arcos ou do Forte da
Giribita.
O fontanário, que data do ano de
1775, construído, portanto, 20 anos pós-terramoto, é obra dos últimos anos do
governo do marquês de Pombal e conde de Oeiras, Sebastião José de Carvalho e
Melo. Era aliás neste local que se formava a guarda de honra para a cerimónia
de entrada do ministro na Vila de Oeiras. O Chafariz Real, que era o seu verdadeiro
nome no reinado de D. José, recebia a água de uma mina situada nos altos do
lugar de Terrugem, água finíssima e muito apreciada, de que se abasteciam antigamente
os barcos de pesca e uma grande parte da população daquela vila. Serviu,
também, de lavadouro público e de bebedouro de animais, sendo considerada pelo
povo como uma espécie de “fonte dos amores”, dizendo-se até que “quem bebesse
água do Chafariz Velho… nunca mais sairia de cá!”.
Entretanto, a construção da
Estrada Marginal (hoje Avenida) nos anos 40 do século XX veio cortar as
ligações do fontanário com a terra, acabando por ficar um pouco esquecido e ao
abandono.
É então, no ano de 1957, na
intenção de dar realização a uma ideia manifestada pelo falecido ministro Eng.º
Duarte Pacheco, que a Câmara Municipal de Oeiras realiza as obras de arranjo do
local e restauração da antiga fonte pombalina. Embora haja alguma incerteza
quanto à autoria do seu projeto, se por um lado o Arquiteto Carlos Mardel ou,
por outro, Reinaldo Manuel dos Santos, sabe-se, no entanto, que os trabalhos
consistiram no pavimento ao nível da estrada por meio de duas fiadas de
escadaria, a ampliação dos paredões laterais, enquadrados com pilares de
cantaria e ornatos no estilo antigo, já existente, formando um semicírculo.
Seria mais tarde completamente
revestido com diversos painéis de azulejos, em tom de azul, com motivos
históricos das descobertas e viagens marítimas portuguesas, executados,
propositadamente, sob desenhos do pintor Rogério Amaral na velha Fábrica de
Faianças e Azulejos Sant'Anna de Gaeiras & Quental, Lda. De um lado estão representadas
as naus que partem, o erguer do padrão nas terras de chegada, do outro as naus
que chegam e o Infante D. Henrique, "O Navegador".
Ficaram assim desvendadas todas as questões maiores que me apoquentavam sempre que passava os olhos por este pacote de açúcar e que me permitiram, agora, descobrir e recordar alguns factos da nossa História.